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Olhar estático

Jaime Calatrava

As coisas imóveis e as inanimadas se confundem. Um anônimo caminha na Rua da Praia olhando vitrines, tão concentrado que dá impressão de haver abandonado a multidão.

A indiferença ao trânsito das pessoas foi de súbito perturbada. É algo inusitado a chamar-lhe a atenção. O choque de Dom Quixote ressuscitado para alguns pode ser comparado ao de Rogério quando vê aquele artista imitando estátua. O inusitado merece tempo e observação, discreta claro. Rogério pára e, como se esperasse por encontro, disfarça o interesse; mais de meia hora esperando que nada aconteça. O absurdo da Estátua da Liberdade juntando moedas encerrou a observação.

Na galeria ele se detém diante de uma loja onde dois manequins expunham roupas e tarjas de liquidação. O bege se verde-limão fosse não faria diferença. Com olhar de Cristo tentando ler INRI, ele fitava os rostos e o sentimento revirava o fundo da mente. Cada boneco poderia ser a representação do sereno Buda envolto em manto e simpatia, ou de Sua Santidade aparentando vigília por trás do vidro, ou quindim esperando a próxima mesada.

Em casa não buscou reflexão que o explicasse. Pegou revistas e se dedicou a observar corpos. Em alguns momentos entregou a eles o mesmo olhar reservado aos Budas eretos, em outros mostrou os desejos escondidos do mundo.

Jaime Calatrava
De "A raiz e a copa"

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