Qual o crime cometido pelo jovem padre Amaro? O de ter se apaixonado pela bela Amélia? E se o crime tem uma agravante, qual a pena a ser-lhe aplicada por tê-la engravidado?
Eis um livro que deve ser lido com muita atenção, pacientemente, para o leitor não perder detalhes de como o autor retrata a hipocrisia e a promiscuidade da sociedade portuguesa na segunda metade do século XIX, especialmente dos representantes da igreja católica.
Para instigar a curiosidade dos futuros leitores, vale ressaltar algumas passagens do romance, como a cena da refeição dos padres à mesa da S. Joaneira, discutindo banalidades e a vida alheia, as qualidades e defeitos dos homens e das mulheres, a vida dos pobres ("azar o deles") e os "arranjos" para conseguir dinheiro com os políticos.
Amélia, diante da impossibilidade de se casar com seu querido Amaro e para não "cair na boca do povo", é convencida a se preparar para contrair núpcias com o escrevente João Eduardo. João Eduardo que, num horrível sonho de Amaro, adquire as feições do Diabo, impedindo o padre de continuar com sua amada Amélia o caminho para o Céu.
E Amaro também vai se enredando cada vez mais numa teia de mentiras para manter as aparências, chegando ao absurdo de desejar que o filho nasça morto.
Há trechos maravilhosos como o seguinte: "Diante de Nosso Senhor, o verdadeiro marido de Amélia era o senhor pároco; era o marido da alma, para quem seriam guardados os melhores beijos, a obediência íntima, a vontade; o outro teria quando muito o cadáver..."
Ou ainda quando o severo Dr. Gouveia, descobrindo por fim o estado de Amélia, diz: "Eu bem tinha dito a tua mãe que te casasse!" e, resignado, complementa: "A natureza manda conceber, não manda casar. O casamento é uma fórmula administrativa..."
Não consumado o casamento por desistência do escrevente, tenta-se deseperadamente conseguir outro noivo antes que Amélia dê à luz ao fruto proibido.
Fosse eu enumerar todas as partes maravilhosas deste livro e o reescreveria por completo. Fica, assim, a indicação da leitura de um dos grandes romances de Eça de Queirós, um verdadeiro documento humano e social da Portugal de então: O Crime do Padre Amaro. |